Políticas
públicas educacionais no Brasil ignoram crianças com transtornos do
déficit de atenção e com transtornos de aprendizagem
Profa. Dra. Ana Luiza Navas
Professora Adjunta, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de SP
Membro Conselho Científico da Associação Brasileira do Déficit de Atenção
Membro Conselho Científico da Associação Brasileira do Déficit de Atenção
Os
recentes resultados de estudantes do Brasil nas avaliações do
desempenho em Português e Matemática causam sérias preocupações de
especialistas de diversas áreas. Essa defasagem entre o desempenho
esperado para a idade e escolaridade, e o desempenho observado tem
origem em questões pedagógicas, socioculturais, ambientais entre outras.
Considerar todos estes fatores, é sem dúvida, necessário para que
ocorra uma mudança significativa neste quadro da Educação brasileira.
Investir na formação de professores, melhorar as condições de trabalho e
de remuneração dos educadores, bem como adotar práticas educacionais
baseadas em evidências científicas são algumas das prioridades.
No
entanto, ainda há um contingente de crianças e jovens que mesmo se
estas condições educacionais fossem ideais, ainda assim, teriam
dificuldades para acompanhar o processo de aprendizagem. Esse grupo de
crianças corresponde de 4 a 6% da população escolar, meninos e meninas
que têm Transtornos do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e/ou
Transtornos Específicos de Aprendizagem (TEA). Os sinais destes
transtornos são identificados na escola, mas não são restritos ao
ambiente escolar. Essas crianças têm dificuldades nas funções cognitivas
de atenção e memória, em alguns aspectos do desenvolvimento da
linguagem, social e até emocional, e é na escola que estas dificuldades
se tornam um problema maior.
A
pesquisa científica no mundo inteiro, inclusive no Brasil demonstra sem
ambiguidades que quanto mais cedo estes transtornos forem identificados
por profissionais da saúde, melhor será o processo educacional, já que o
professor que reconhece esta criança poderá usar recursos pedagógicos
adequados para garantir o acesso às informações e conteúdo escolar
(Elliot et al. 2007).
Desde
a Declaração de Salamanca, em 1994, o Brasil tem avançado muito em suas
Políticas de Educacionais na perspectiva da educação inclusiva,
estabelecendo diretrizes e critérios para o acompanhamento de crianças
com necessidades especiais, no ensino regular e complementação no
Atendimento Educacional Especializado (Brasil, MEC, Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, 2007). A
política atual destaca o apoio aos escolares com deficiências física,
auditiva, visual, intelectual, transtorno global do desenvolvimento
(distúrbio do espectro do autismo) e altas habilidades/superdotação
(Brasil, MEC, CNE, Resolução CNE/CEB 4/2009). No entanto, o grupo de
crianças com TDAH e/ou TEA não está contemplado nesta resolução que
especifica o público alvo do Atendimento Educacional Especializado.
No
mundo, há legislação específica para apoio educacional e garantia de
diagnóstico por equipes multidisciplinares em mais de 150 países. Como
exemplo, destaco as legislações no Reino Unido e Estados Unidos da
America que enfatizam a importância da identificação precoce destes
casos para intervir o mais rapidamente possível (Reino Unido, Special
Educational Needs Code of Practice. 2001; Estados Unidos da America,
The Individuals with Disabilities Education Act, IDEA, 2004).
Em
2010, o então Senador Gerson Camata apresentou um projeto de lei que
dispõe sobre a necessidade do poder público garantir o diagnóstico e o
apoio educacional das crianças e jovens com o Transtorno do Déficit de
Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Dislexia, um dos Transtornos
Específicos de Aprendizagem. O projeto visa corrigir esta lacuna no
Brasil, já que a ausência de reconhecimento da dislexia e do TDAH nas
políticas educacionais, dificulta que uma família consiga apoio na
escola, e que tenha acesso aos recursos didáticos adequados para
melhorar a vida escolar de seu filho. A falta de diretrizes explícitas
também faz com que muitos professores rotulem crianças sem o devido
encaminhamento aos profissionais de saúde que devem fazer o diagnóstico
correto. Há ainda aqueles professores que encaminham estas crianças para
as salas do AEE, o que não está previsto pela resolução do Conselho
Nacional de Educação.
Essas
são as razões para que parte essencial deste projeto em relação à
Educação seja a proposta de que os sistemas de ensino devem garantir a
formação aos educadores. Professores da educação básica deverão ter
amplo acesso à informação, tanto para que possam identificar
precocemente os sinais indicativos da presença de transtornos de
aprendizagem ou do TDAH, bem como para que possam desenvolver
estratégias para o apoio educacional escolar desses educandos. Vale
ressaltar que alguns profissionais devem auxiliar os professores no
estabelecimento de projetos para o acompanhamento para estas crianças,
como o psicólogo e/ou o fonoaudiólogo educacional.
Já
em relação á área da Saúde, o projeto de lei recomenda um programa de
formação continuada para melhorar a qualidade de precisão dos
diagnósticos realizados nos equipamentos de saúde e garantir o acesso ao
atendimento especializado por equipe multidisciplinar. Destacam-se
nesta equipe os neuropsicólogos e fonoaudiólogos clínicos.
O
projeto já tramitou no Senado e foi aprovado em todas as comissões em
que passou (Seguridade Social e Família; Educação e Cultura; Finanças e
Tributação; e Constituição, Justiça e Cidadania). No momento (dezembro
2012), o PL encontra-se na Câmara dos Deputados e já foi aprovado na
Comissão de Seguridade Social e Família. Na Comissão de Educação, o projeto de Lei 7081/2010,
teve como relatora a Dep. Mara Gabrilli, e recebeu voto favorável, com
apresentação de um novo substitutivo que especifica melhor as
atribuições de cada setor, Educação e Saúde, para lograr o
acompanhamento integral destas crianças e jovens. Ainda faltam duas
comissões para a aprovação final, a Comissão de Finanças e Tributação e
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
O Projeto de Lei 7081/2010
clama pelo estabelecimento de políticas públicas que reconheçam as
crianças com TDAH e transtornos de aprendizagem como população que
precisa de apoio pedagógico em sala de aula. Caso seja aprovado caberá
ao Poder executivo regulamentar esta lei, estabelecendo as suas
diretrizes e inserindo estas ações em programas intersetoriais de Saúde e
Educação.
Com
esta aprovação, o Brasil estaria corrigindo um equívoco e com isso
melhorando as condições de sucesso de aprendizagem para este grupo de
crianças que estão à margem deste processo. Infelizmente, ainda não é o
bastante para sanar todas as dificuldades que o sistema educacional
enfrenta, mas sem dúvida já representará um grande avanço e pelo menos
esta parcela da população escolar terá condições mais justas de
conseguir o sucesso no processo de aprendizagem.
Bibliografia
- Brasil. Ministério da Educação. Parecer CNE/CEB nº 13/2009, aprovado em 3 de junho de 2009 - Diretrizes Operacionais para o atendimento educacional especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. Disponível aqui.
- Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007.
- Elliott, S., Nan, H., Andrew, T.R. Universal and early screening for educational difficulties: Current and future approaches. Journal of School Psychology, v.45, n.2, p.137-161, 2007.
- United Kingdom, Department of Education and Skills. Special Educational Needs Code of Practice. 2001. Disponível aqui
- United States of America, Education Department. The Individuals with Disabilities Education Act (IDEA). 2004. Disponível aqui
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